Alheiras de Mirandela

É incontornável. O tema. Porque ela reveste-se de contornos de tal modo estonteantes e apelativos que mereceram lugar de destaque nas televisões e nos jornais.

A imprensa escrita rendeu-se aos seus atributos e pôs as impressoras a fumegar para dar resposta às necessidades emergentes do aumento pontual, mas previsível das tiragens.

Não obstante o desgaste previsível, tem mantido, com uma regularidade digna de nota, uma presença recorrente e invejável nas páginas dos diários e nos telejornais, apesar dos inúmeros, relevantes e dolorosos assuntos que têm contribuído para nos impôr uma contenção e austeridade incompatíveis com desbraganço e desmesura que ela nos sugere e impõe.

Falam-nos da transferência da escola para o Arquivo. Relevam-nos a dignidade da postura da docente. Comentam-nos o carro (topo de gama) que o pai lhe deu, no aniversário. Informam-nos da reacção desolada dos ex-alunos, espoliados da guloseima. Relembram-nos da possibilidade do retorno (aplaudido) ao ensino, no próximo ano lectivo. Esclarecem-nos que passou a ser requisitada pelos locais de animação nocturna, como “artista”convidada para dar cor à noite e calor à festa.

Claro que podemos sentir-nos, de certo modo, gratificados pela espécie de anti-clímax ao contrário (ou vice-versa) que ela provocou. No meio de tanta desgraça, perante a constatação de um presente despido de regalos e augúrios de um futuro hipotecado e de tanga, acaba por fazer sentido a ausência de roupa, de preconceitos e de escrúpulos, que fizeram dela, assumidamente, o objecto do nosso desejo.

Alguns e algumas, criticaram-lhe a atitude, enunciando um conjunto variado de contras, quase todos eles imbuídos do típico cheiro a bolor, com teias de aranha à mistura, misturado com resquícios de inveja e alguns laivos de frustração.

Muitos e muitas gabaram-lhe o feito, o porte e o desplante, expressando laudatórios prós. E a forma como encarou, de frente, de lado e de costas, o novo des(a)tino que a sorte lhe pintou, ou melhor, fotografou.

Tem andado, literalmente, de boca em boca, forçando os machos a marinar em cerveja para compensarem os hectolitros de baba perdidos por entre perdigotos e interjeições tão redondas como os hemisférios que as provocam, e as fêmeas a abusarem das formas luso e a sonharem com implantes, no intuito, nem sempre concretizado, de se tornarem lusas, ou musas, tão em forma como ela.

Confesso-me rendido. Ela fez mais pela terra por onde passeia, em duas semanas, do que as alheiras conseguiram, em décadas de esforçada produção e degustação.

Depois da intervenção do Prof. Marcelo que se debruçou sobre o acontecimento (e fez muito bem, embora não fosse necessário, dada a manifesta visibilidade, de qualquer ângulo ou perspectiva), admito até a possibilidade de uma condecoração, uma comenda, porque não, da Ordem do Chumaço de Trás os Montes, como prémio para tão gloriosa prestação que, certamente, conferiu a Mirandela a real possibilidade de ser nomeada e até, aprovada, como uma das Maravilhas de Portugal.

Se há 40 anos tivéssemos tido o privilégio de ser alunos de professoras tão ousadas, teríamos obtido um sucesso escolar com uma ascensão vertical inversamente proporcional à quantidade de roupa usada nas fotografias que estão na origem da, recente, súbita e merecida, projecção do enchido, dentro e fora do país.

Mercê dos trabalhos de restauro que ela admitiu ter mandado executar, conseguiu até recuperar, embora alterando-a, a letra (mantendo, contudo, intacto o espírito) de um dos mais caros piropos do típico engatatão lusitano. Agora, quando ela passa, é vê-los, playboy debaixo do braço, com os cantos da boca pendurados nas orelhas, a trinar ao vento a frase que lhes pinta o dia com as cores do arco-iris: “- És boa cumó milho, transgénico…”


Carlos Preto (Encarregado de Educação; Adulto certificado com o 12ºano pelo CNO da nossa Escola)