José Saramago 1922-2010


SARAMAGO: O PICASSO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Apresentava-se normalmente com cara de zangado. Não gostava da Igreja Católica. Provocou e desassossegou consciências. Forçou a reflexão sobre temas que muitas vezes se consideravam inquestionáveis. Sentia uma auto-admiração e vaidade tais que se tornava antipático. Ofendeu as regras da gramática, quando inventou um modo de escrever peculiar, alterando a seu bel-prazer as normas da pontuação, das maiúsculas e do diálogo...
Porém, a verdade é que elevou a nossa Língua a uma dimensão universal, com rasgos de génio. Por isso mereceu receber o Nobel da Literatura em 1998 (até hoje o único da lusofonia). Por tudo isso lhe foram atribuídos doutoramentos honoris causa. Por isso foi recebendo tantas honrarias e é justamente proclamado como um dos mais relevantes escritores da língua portuguesa em todos os tempos.
Saramago, porque sabia escrever muito bem em conformidade com as regras gramaticais, pôde subverter essas mesmas regras. Tal como Picasso, que treinando com tal perfeição a cópia dos clássicos da pintura, apurou a técnica... e reinventou a pintura derrubando os cânones mais vanguardistas, designadamente com a invenção do Cubis-mo...
E a comparação não acaba aqui. Ambos foram cidadãos conscientes, interventi-vos politicamente. E ambos perfilharam a ideologia marxista, criticando a forma como as classes dominantes e ricas abusavam das classes sociais mais desfavorecidas: foram membros dos partidos comunistas, Picasso em Espanha, Saramago em Portugal.
Saramago foi um dos sócios fundadores da já extinta livraria Som da Tinta em Ourém e por cá andou algumas vezes, a apresentar obra sua ou a visitar amigos.
Polémico e provocador como foi, sempre será naturalmente uma figura contro-versa. Todavia, o seu papel na internacionalização da língua e cultura portuguesas é certamente incontestável.
A sua obra está traduzida em dezenas de línguas pelo mundo fora. Da sua enor-me produção, devemos destacar Levantado do chão, Memorial do Convento, A Viagem do Elefante e O Ano da Morte de Ricardo Reis.
As suas cinzas poderão não vir a morar no panteão nacional em Alfama, mas não é preciso: ele sempre brilhará no panteão dos grandes escritores da literatura universal.

Ourém, 20 de Junho de 2010
J. Sousa Dias